Horizonte, de proibir a circulação da edição 65 da revista Viver Brasil na cidade, abre um perigoso precedente na comarca, em desfavor da liberdade de imprensa e do direito sagrado do cidadão de tomar conhecimento do que vem ocorrendo na prefeitura. Em reportagem, o prefeito Carlinhos Rodrigues, do PT, é acusado de improbidade administrativa. O caso é tão grave que pode o efeito intimidatório da liminar, deferida pela juíza na semana passada, resvalar na autonomia dos poderes, já que um dos vereadores oposicionistas também teve o seu direito de denunciar o prefeito proibido recentemente, sob pena de pagar multa de R$ 100 mil. A revista, de circulação nacional, ainda não se pronunciou sobre o caso.
A liminar foi requerida pelo prefeito, que se diz ofendido moralmente com a reportagem feita pela repórter Janaina Oliveira. A jornalista se valeu de denúncias do Ministério Público e de algumas decisões já transitadas em juízo, nas quais o prefeito é acusado de improbidade administrativa em várias ações movidas pelo MP. Portanto, não há motivo para a juíza proibir a população do município, de 81 mil habitantes e um orçamento anual de R$ 300 milhões, de tomar conhecimento das denúncias contra o prefeito. Até porque, se a revista errou, como alega o prefeito, cabe a ele acioná-la judicialmente, como ocorre em qualquer situação desta natureza.
A decisão da juíza parece intempestiva porque ela vai de encontro a um direito fundamental, que é a liberdade de expressão, para proteger um agente público que teve recentemente o pedido de bloqueio dos bens e afastamento do cargo requerido pelo Grupo Especial do Patrimônio Público (Gepp) e que tem advogados e dinheiro público para fazer a sua defesa. Não tem sentido a justiça proibir a circulação da revista porque essa medida pune o povo e também a parte ofendida, pois é sabido que tudo que é proibido aguça a curiosidade, tornando ainda mais cobiçado – aprendemos isso com a ditadura.
Outra doação abortada
Além do mais, é bom salientar que os fatos denunciados pela revista são de domínio público, estão registrados nos anais do Poder Legislativo e nas dezenas de ações movidas pelo MP contra o prefeito pela mesma razão. Portanto, não há nada de novo que o povo não possa saber. Carlinhos sempre defendeu a democracia e a moralidade dos serviços públicos e, por isso, foi eleito e reeleito pelo povo. Fez um ótimo primeiro mandato e estragou tudo no segundo, ao dar margem ao Ministério Público mover contra ele várias ações por crime de improbidade administrativa. Já foi condenado a devolver dinheiro aos cofres públicos e teve que assinar vários Termos de Ajuste de Conduta (TACs) por causa de doações de terrenos do município sem o devido interesse público, é o que afirma o MP. Foi exatamente por conta dessas doações que a revista escreveu que ele, Carlinhos Rodrigues, estava fazendo caridade com o chapéu alheio.
Tanto isso é verdade, que o MP contabilizou 11 doações irregulares de 2005 para cá e obteve de volta 40% do valor doado (algo em torno de R$ 11 milhões), através de um TAC assinado pelo prefeito e 10 dos 11 beneficiados. A promotora do patrimônio público, Ivana Andrade, barrou ainda várias outras doações, como a de um terreno de mais de 360 mil metros quadrados no cobiçado condomínio Alphaville Lagoa dos Ingleses. A beneficiada seria a Aliar Aiccrane Serviço Aéreo Ltda, totalmente desconhecida na cidade. O projeto seria votado pela Câmara, em sessão extraordinária convocada pelo prefeito.
Outra doação abortada contemplaria a construtora Engefor, no luxuoso bairro Vila da Serra, à qual seria repassada uma área de dreno pluvial para valorizar o seu condomínio em construção, com três torres de apartamentos, também de alto luxo. Aliás, o prefeito foi reincidente nesta ação porque, mesmo com o MP suspendendo a votação do projeto na Câmara, ele baixou um decreto cedendo o imóvel aos empreendedores por 30 anos prorrogáveis por mais 30, ou seja,ad eternum.
Cabia acionar a revista
O curioso é que, dias atrás, a justiça local deferiu uma liminar obrigando a empresa a desocupar o terreno em questão, que fora fechado como se fosse uma área comum do condomínio. E acabou sendo porque, logo após a saída da oficial de justiça do local, o portão foi novamente fechado, de forma arbitrária e desrespeitosa com a decisão da justiça que agora proíbe a revista de publicar denúncias contra o prefeito.
Um dos argumentos de Adriana Rabelo é de que a reportagem continha informações dadas por um vereador que, segundo a juíza, está impedido judicialmente de fazer qualquer manifestação sobre este assunto. Ora, isso significa censura dupla. O que tem, afinal, a revista a ver com as decisões do vereador José Guedes, do DEM, opositor do prefeito, que tem a obrigação constitucional de fiscalizar o Executivo? Se as denúncias ofendem moralmente o prefeito, que ele acione a revista e o vereador na justiça porque essa é uma das prerrogativas dos ofendidos no Brasil. A lei existe para isso. O que não pode ocorrer é a justiça querer proibir um veículo de comunicação de exercer o seu direito de se expressar, pois isso fere o artigo 5º da Constituição Federal.
Qualquer decisão da justiça que venha a contrariar esse artigo é censura, algo execrável, nojento, próprio dos que ainda não entenderam que vivemos em uma democracia plena, que o povo e a imprensa são livres, têm direito de se expressar, arcando, com isso, a responsabilidade por eventuais danos ao suposto ofendido. Cabia ao prefeito acionar judicialmente a revista para que ela respondesse pelo que divulgou, conforme o previsto em lei. Não poderia a justiça antecipar esse feito, proibindo a circulação da revista na cidade porque isso fere o direito do cidadão de tomar conhecimento de tudo que ocorre com os seus políticos.
Não se pode admitir a autocensura
Quero deixar bem claro que nada tenho contra o prefeito Carlinhos Rodrigues, que sempre me tratou muito bem. É gentil com a imprensa e inteligente. A verdade é que ele é muito mal assessorado e talvez seja este o seu grande pecado. Também nada tenho contra o PT, que por sinal elogiei em recente artigo no semanário local A Notícia, do qual sou editor. É que, entre eles e a liberdade de expressão, fico com a segunda opção, independentemente de qualquer outra relação, seja ela afetuosa ou de negócios porque jornalista que se preste não transige com a censura.
Consultei a revista sobre a decisão da juíza e o seu diretor de redação, Homero Dolabella, informou-me que o caso está em análise no jurídico da empresa. A minha expectativa é de que a revista exerça o seu direito de expressar e brigue por ele até as últimas consequências porque acima do direito de imprensa está o direito do cidadão de ser informado sobre tudo que envolve o interesse da coletividade.
Depois de uma dupla censura, não se pode admitir a autocensura, motivo pelo qual exerço o meu direito de manifestar o mais veemente protesto contra a decisão da juíza, na esperança de que a sua sentença seja refeita o mais rapidamente possível para o bem da democracia e da moralidade dos serviços públicos neste país.
Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br