Wilson Aquino
O sigilo que cerca os rituais, códigos e tradições são a marca da maçonaria que, ao longo dos séculos, protegeu com um manto de silêncio as particularidades do seu universo. Recentemente, uma pessoa resolveu quebrar essa regra, justamente a autoridade máxima do Grande Oriente do Brasil (GOB) – a maior associação maçônica e mais antiga no País –, o soberano grão-mestre-geral da Ordem, Marcos José da Silva. Ele, simplesmente, registrou na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, 21 livros secretos que explicam os ritos misteriosos da irmandade. A iniciativa acarretou uma reação à altura: pela primeira vez, um presidente da instituição poderá sofrer impeachment. Para se ter uma ideia da gravidade da situação, o GOB foi fundado no Brasil em 1822, tem 60 mil membros e nunca antes na história da maçonaria algo similar havia acontecido.
A assembleia que decide o destino e possível punição de Silva está marcada para o sábado 18, no Templo Nobre do GOB, em Brasília. Mas a briga já começou. O grão-mestre-geral recorreu ao Supremo Tribunal Federal Maçônico (STFM) – as instituições maçônicas reproduzem em quase tudo a sociedade civil – e conseguiu liminar para retirar o assunto da pauta. Porém, os 600 maçons que estiverem presentes à assembleia podem deliberar o contrário e manter a votação para abertura do processo de impeachment. O delito cometido por Silva está previsto em dois artigos do código penal maçônico: o 73, inciso XIV, condena quem “facilitar ao profano (não maçom) o conhecimento de símbolo, ritual, cerimônia ou de qualquer ato reservado a Maçom” e o artigo 74, inciso I, pune a traição ao juramento maçônico no qual figura o sigilo.
Mas por que justamente o grão-mestre teria ferido um dos princípios básicos da organização? Há algumas versões. Os defensores de Silva sustentam que ele registrou os livros secretos para evitar que outra pessoa com interesses escusos o fizesse. Seria uma iniciativa para proteger a associação de oportunistas no futuro. Os maçons favoráveis ao afastamento de Silva, por sua vez, veem má-fé e cobiça, pois agora ele figura como organizador das obras que revelam os segredos maçônicos. Isso, na prática, lhe confere os direitos autorais sobre a mesma. Ou seja, ele passou a ter direito a comissão de 5% sobre o preço de capa de eventuais livros baseados no conteúdo registrado por ele. Essa tese é reforçada pelo raciocínio de que Silva poderia ter feito o registro em nome do GOB e não no dele próprio. Os livros secretos não estão disponíveis para qualquer um manuseá-los. Mas, além de alguém poder reivindicar na Justiça o direito de vê-los, os funcionários da Biblioteca Nacional já têm acesso ao material. Não há mais sigilo.
Fiel ao estilo da maçonaria, o registro das obras foi feito na moita, assim como a denúncia efetivada por uma pessoa ligada ao GOB e que trabalha na Biblioteca Nacional. “Como maçom, me sinto ultrajado e decepcionado. Se um aprendiz mostra o livro dos rituais a um profano, ele é sumariamente expulso”, esbraveja um dos deputados da Soberana Assembleia Federal Legislativa da instituição, que vai participar da sessão e por isso preferiu não se identificar. “Isso é uma aberração. O que sustenta a irmandade é o sigilo em torno dos seus ritos e a tradição. Até porque esses ritos são usados por maçonarias de outros países”, surpreende-se o professor de história da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Marco Morel, autor do livro “O Poder da Maçonaria.”
A conservação secreta dos conhecimentos e métodos de trabalho dos maçons é um dos mais rígidos princípios da doutrina. Tanto que ao ser iniciado na maçonaria, num ritual secular no qual o postulante permanece vendado na sessão até que seu nome seja aceito pelo grupo, o novato faz um juramento em que se compromete a “nunca revelar qualquer dos mistérios da maçonaria e nunca os escrever, gravar, imprimir ou empregar outros meios pelos quais possa divulgá-los”. Na Idade Média, a violação dos mistérios seria punida com castigos terríveis, descritos no juramento: “Se violar este juramento, seja-me arrancada a língua, o pescoço cortado e meu corpo enterrado na areia do mar...” Mas os tempos mudaram e, hoje, o grão-mestre-geral poderá ser no máximo punido como qualquer presidente corrupto.
Matéria editada.
Fonte: ISTOÉ-independente
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